terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conversa sobre parafusos e palavras

Escritores devem ter um parafuso a menos... Eu devo ter perdido pelo menos uns 12, só neste ano. Como dizia um amigo, sou "fora da casinha". Já comentei que recentemente descobri que sou/tenho DDA-H (Distúrbio do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Isso realmente NÃO mudou minha vida na fase adulta. Só me deu mais um rótulo.  Talvez se tivesse sido diagnosticada e medicada desde a tenra infância, eu hoje estivesse atrás de uma escrivaninha fazendo planilhas (meu maior pesadelo) ou trabalhando em um órgão público... pronta pra morrer de fato. Agradeço ter nascido antes da descoberta desse distúrbio e dessa medicação.
Depois de amargar na escola uma certa discriminação - da parte dos professores - porque vivia com a "cabeça no mundo da lua", fui chamada de desligada, amalucada. Isso, para uma escritora, é simplesmente PERFEITO!!! Já contei em um post anterior que o neurologista me receitou ritalina. Tomei e virei um ser que desconheço. As coisas tomaram uma proporção tão... medíocre! Parei de me encantar com o que antes me deleitava e inspirava contos e histórias, como dois urubus gigantescos na sacada de um apartamento bem na frente da minha janela  (saiu um conto digno de Egard Allan Poe). Fiquei com um indigesto bloqueio criativo (a mente parecia vazia, estava contida, reflexiva... Credo!)  A luz do alerta vermelho soou. Por sorte, eu não estava perdida de todo. Ainda guardava alguma essência de mim. Joguei a medicação no vaso sanitário (que por sinal nunca mais foi o mesmo) e troquei a ritalina pela Rita Lee. Voltei a atropelar pensamentos, a ter insônia, a falar rápido, agitando os braços e - principalmente - voltei a escrever.
A mente continua acelerada. Durmo mal e pouco. Mas as palavras que saem têm me presenteado com retornos incríveis. Mensagens, posts, e-mails, cartas de leitores, depoimentos... enfim, o sonho de uma escritora cujo pesadelo era não ser lida por ninguém.
Uma amiga da Espanha me mandou uma pergunta, a respeito do texto sobre as perdas: "Onde está a câmera oculta?", comentou que está passando por um momento de perda e que minhas palavras pareciam ser dela, caíram nela como uma luva.
As narrativas fazem isso: abrem portas; nos levam para um mundo onde todos se igualam e são passíveis de viver e sentir coisas semelhantes, nos ajudam a perceber que não estamos sós, que não sofremos sós, ajudam a compreender a nós mesmos, a compreender os outros e o mundo que nos cerca. É, hermanita... não é à toa que muitas tribos acreditam que a palavra cura...
(Alguns infelizmente usam a palavra como arma de morte, mas eu prefiro fazer dela a minha "poção de vida"...)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O que se aprende com as perdas

Não somos preparados(as) para perder nada nem ninguém. Encaramos a perda como algo negativo, doloroso, derrotante, humilhante... Seja lá que perda for.
Quando se perde um ente querido, o luto impera.
Quando se perde um amor, o luto impera.
Quando se perde um emprego, o luto impera.
Quando se perde um prêmio, uma copa, uma olimpíada, o luto impera...
O luto, de fato, é uma dor que quem já sentiu sabe o quanto dói, e sabe também que com o tempo vai se amenizando.
Perder é ficar para trás. É se dar conta de que o mundo e as pessoas seguem sem nós. [Como se atrevem a seguir e nos deixar aqui, tendo de lidar com a nossa insignificância?]
Comecei a fazer uma lista do que já perdi nessa vida:
tempo
a hora,
o contato,
o ônibus,
o trem,
o avião,
o HD do computador (2 vezes),
+ os back ups dos arquivos (todos),
fotos,
livros,
a bolsa,
a carteira,
documentos,
dinheiro,
cartões de crédito,
talões de cheque,
o prazo,
um prêmio importante,
o jogo (ou melhor, vários),
o sono,
a roupa (porque engordei, emagreci ou cresci),
peso,
o fio da meada,
o rumo,
a cabeça,
a razão,
o juízo,
a vergonha,
as estribeiras (ou a paciência),
alguns empregos,
um amigo por besteira,
parentes e amigos por falecimento,
pessoas de vista,
a esperança,
a confiança nas pessoas,
um amor...
Perdas incomodam pelo transtorno que provocam, pelos sentimentos que fazem aflorar, pela esperança que roubam, pela tristeza e dor que causam.
Quando a perda é material e não se pode recuperar o bem perdido, vem acompanhada de uma certa indignação, raiva, revolta.
Quando a perda é emocional, vem acompanhada de uma dor que pode assumir proporções gigantescas.
Quando ela é moral, pode se fazer acompanhar de sentimentos dúbios, confusos, desnorteadores, obscuros, opressores...
Aprendi com as perdas a continuar. [E o mais incrível é que me descobri capaz de prosseguir, apesar delas.]
Aprendi que perdas também trazem ganhos. Fortalecem. Alertam. Ensinam. Vacinam. Preparam. Questionam.
Às vezes, na frente do espelho, cheia de dúvidas sobre um caminho a seguir, com medo de novas perdas, lanço-me perguntas. Ao buscar as respostas, percebo que carrego em mim algo que não pode ser perdido. Não é uma bússola, nem um GPS, é mais uma consciência. Consciência de quem sou e do que quero ser.  E assim descobri que enquanto eu for eu mesma, apesar de qualquer perda que me aconteça, poderei sempre recomeçar, reconstruir, ressignificar...

Beijão da Célia Cris

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Crianças disfarçadas de adultos

12 de outubro. Dia de comemorações socioculturais e religiosas. Alguns rezam, agradecem, pedem. Alguns  se reúnem para celebrar de diferentes maneiras. Alguns simplesmente decidem dar a si mesmos momentos de alegria pura (e isso não deixa de ser uma celebração, uma forma de se conectar com o Cosmo). Alegria saudável, com amigos.
A sociedade nos cobra amadurecimento, crescimento, produtividade. Muitas vezes, isso traz um endurecimento, a perda da conexão com a alma da gente. Já a vida nos cobra contato constante com nossa essência, valores, sentimentos, com a criança dentro da gente.
Para muitos, cultivar a alma, os sentimentos, é sinal de fraqueza, pois nos torna menos competitivos...
Aprendi a duras penas que há pessoas essencialmente competitivas e pessoas essencialmente colaborativas. Quando um tipo se esforça bastante para se tornar o outro tipo, consegue, mas paga um preço por isso. Sou a prova viva disso. Colaborativa por natureza, quase enfartei ao me esforçar para ser diferente. Foi o período mais infeliz de minha vida. Cargo de destaque, viagens, salário alto para resolver problemas que outros haviam criado, para administrar egos inflados, para aturar gente de mal com a vida, gananciosa e mal educada. Resultado: problemas de saúde, diabetes, obesidade, insônia, nenhuma vida pessoal... só trabalho.
Bem, isso é assunto pra outro post. Quis citar isso pra explicar que ao deixar essa vida para trás e abraçar a Célia da essência, tive perdas e ganhos. As perdas foram financeiras, mas os ganhos... Caramba! Ganhei vida, novas ideias, novas possibilidades, inspiração, paz interior, meu sono de volta, novos amigos e a reconexão com minha criança interna. Uma menina muito querida chamada Célia, loira e cheia de cachinhos, meiga e serena (apesar de hiperativa), que me traz luz e alegria.
E a partir daí comecei a encontrar ( e reencontrar) pessoas com sintonia semelhante.
Conheci o pessoal do Conselho Steam Punk por intermédio da Bety Damballah. Uma galera do bem, gente de cabeça feita que elegeu como hobby uma forma inteligente e gostosa de se reunir e passar o tempo.
No dia das crianças o grupo foi fazer fotos num velho circo abandonado. O local abriga uma estação de Ciências. O pessoal do grupo irá dar uma aula para crianças da rede pública sobre revolução industrial, épocas e costumes diferentes - trajados a caráter! Haverá contação de histórias... Uma forma deliciosa de aprender, não é mesmo? Pois bem, aderi ao Movimento e fui aceita sem o menor problema. Fato intrigante, pois é muito comum haver certa resistência a novos elementos em um grupo, geralmente ocasionada por disputas de poder. Não percebi isso no pessoal do Steam Punk. Pelo contrário, fui bem-recebida e agregada ao grupo rapidamente. Foi um dos dias mais divertidos que já tive. Cada um incorporado em seu personagem, com trajes pesquisados e criados nas oficinas do Conselho, compartilhando momentos de lazer e prazer em grupo.
As piratas queriam matar Madame Bety, dona do cabaré, mas a valente dançarina tentou defendê-la.

De volta ao Velho Oeste...

Madame Bety prendeu as novatas e vai vendê-las no mercado paralelo. Eu disse que elas ainda estão muito magrinhas e não atingirão um bom preço...

Foto para a capa do catálogo:  Meninas do cabaré

Essa vedete ainda dá um bom caldo, não?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ABISMOS...

Muitos relacionamentos modernos parecem estar fadados ao fracasso. Corações partidos se multiplicam ao nosso redor. Homens e mulheres se queixam de solidão, da falta de sinceridade e honestidade dos(as)  parceiros(as), acusam-se, mentem, acumulam mágoas...
"Quem não se arrisca a amar não se machuca, mas tambem não vive". "Viver é arriscar-se". Essas frases ecoam em filmes, livros, conversas e conselhos.
Ando me dedicando ao estudo da mudança de comportamento nos afetos. Quanto mais me envolvo, mais confusa fico. Até os psicanalistas andam de cabelo em pé.
O risco de se magoar ao entrar numa relação existe. Mas há também uma esperança de que dê certo.
Porém, quando o risco de quebrar a cara é fato conhecido, previsível e propositadamente desejado, fica a pergunta: Por que se arriscar se já se sabe onde isso vai dar?
Por que algumas pessoas insistem em se lançar em aventuras que sabem de antemão que irão ferir, magoar e causar danos? [Há seres que parecem ser atraídos pelo perigo, pelo risco mortal, pelo insustentável.] Freud certamente deve ter uma explicação para isso.
Como não sou psicanalista, mas sim escritora, lanço mão de uma frase do Galeano e me inspiro nela para um miniconto, com o qual presenteio os corações que já se partiram e/ou foram partidos...


ABISMOS
                                                Célia Cris Silva


“Eu adormeço ao lado de uma mulher. Eu adormeço ao lado de um abismo”.
(Eduardo Galeano)

Ele teve dois divórcios difíceis.
Três namoros complicados.
Cinco casos passageiros.
Disfarçava a baixa auto-estima com uma alegria fabricada, uma simpatia estudada e uma verborragia animada.
Envolveu-se com uma mulher mais velha, mais sábia, mais resolvida. Tudo nela parecia perfeito.
No entanto, o medo de ser feliz o envolveu.
As dúvidas voltaram a assombrar seu sono.
Não sabia lidar com a felicidade.
Decidiu reatar o namoro com uma das ex-namoradas. A mais nova, a menos sábia, a menos resolvida. Tudo nela parecia imperfeito, porém, conhecido.

Decidiu se atirar no abismo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Piquenique vitoriano

Entre uma pastora, Maria Antonieta e sua dama de companhia.
Diferentes tempos e estilos se encontram.
Domingo, dia de frio e sol (Curitiba tem dessas coisas). Em vez de ficar mofando em casa, fui a um Piquenique vitoriano no parque Barreirinha. Assim como os cosplayers, essa tribo gosta de se vestir como personagens reais ou fictícios - só que do século XVIII ou XIX (o limite é até 1920, com variações sobre o tema). Lá também encontrei os Steampunks, os Posers, os Góticos... Gente descolada, artistas, de vanguarda, enfim, pessoas que levam a sério recriar um estilo de época, que curtem livros (no convite, inclusive, havia a solicitação de doação de um romance de época, que seria encaminhado para um hospital, onde voluntários leem para os pacientes). 
Improvisei um traje "eduardiano".
Não fiquei super estilosa?

Foi bárbaro: um lago maravilhoso, um céu bem azul, o verde das plantas, toalhas xadrezes no gramado, pratos de sanduíches, frutas, cestas de vime, taças super estilosas, jarras de estanho e os trajes... Ah! os trajes... simplesmente LINDOS!
Na entrada do parque, encontrei uma rapaziada tomando cerveja e azarando as meninas. Um dos rapazes comentou: "Mais uma maluca". Para ele, quem se veste como no passado e discute literatura pode parecer mesmo maluco. Para mim, maluco é quem passa o domingo bebendo, assistindo TV e jogando fora a saúde e a vida em atividades vazias, massificantes e emburrecedoras. Mas cada um tem o direito de fazer o que quiser com a própria vida. Só não acho que ninguém tem o direito de se posicionar como modelo a ser seguido, "o" correto e desqualificar quem pensa e age de forma diferente.
Bem, o que importa é que foi um domingo delicioso, diferente, conversando com gente inteligente, com outra visão de mundo. O mundo, definitivamente, precisa de mais "malucos" como esses!
Com Bety Damballah, que me apresentou a dança tribal, os Steampunks e os Vitorianos.
Uma mulher de visão e uma amiga mais que querida.

Maria Antonieta não foi decapitada! (E levou 2 horas para ajeitar o cabelo!)



quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A mulher-poesia

Em 1986 eu trabalhava como revisora em uma editora de SP. Revisei uma série de livros de novos autores e poetas. Um livro me chamou a atenção: Um avô e seu neto, de Roseana Murray. Apesar de ser em prosa, era pura poesia. Ela publicou outros livros, predominantemente de poesia. Um mais gostoso que o outro. De lá para cá, venho acompanhando a carreira de Roseana Murray, uma poeta-escritora como poucas. Hoje, finalmente, tive o prazer de ouvi-la falar. Momentos de encantamento, emoção, declamação, leitura e bate-papo. Roseana é envolvente, inteligente, interagiu com a plateia e arrancou gostosas risadas de nós. Depois da palestra-encantamento fui conversar com ela, emocionada:
"Roseana, eu revisei um de seus primeiros livros, há mais de 20 anos: Um avô e seu neto e me apaixonei pela história. Queria te dizer que ao longo de sua carreira eu construí uma imagem sua, pautada nas coisas que você escreve, e tenho de dizer que você é imensamente melhor e maior do que eu imaginava. Você é uma grande escritora porque é uma incrível leitora de mundo e um ser humano MARAVILHOSO."
Ela se emocionou e me abraçou, sorrindo. Conversamos, rimos muito, tirei uma foto com ela e saí do auditório feliz, encantada, com a alegria de uma criança que acaba de ganhar algo que queria muito. Creio que hoje encontrei uma "lantejoula verde" em forma de gente. (Para entender essa referência, veja o post anterior.)
Roseana Murray e esta tiete (amor antiiiiiiiiiiiiiiiiiiigo)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A lantejoula verde

Ainda falando sobre Marina Colasanti...
No meio da palestra, ela exclamou: "Olha só que coisa linda!" Se abaixou, pegou algo no chão do palco e compartilhou com a plateia. Era uma lantejoula verde.
"Ela brilhava com uma luz incrível. Aqui no palco, não vi um chão cinza, mas uma luz que me desviou a atenção. Um escritor é isso: ele pega uma lantejoula, deixa de lado a realidade e sai, ele e a lantejoula, por uma porta lateral, criando textos..."
Em outro momento, disse que, para escrever seus ensaios, fazia muita pesquisa, mas que, para escrever literatura, não faz pesquisa. Tudo o que viveu, viu e sentiu ao longo da vida foram suficientes. "Tenho 73 anos de pesquisas nas costas, oras!", finalizou num sorriso verde-lantejoula.
[Eu só tenho 44, Marina. Ainda há muito o que viver e pesquisar...]

A mestra das palavras

Recebi um e-mail de uma ex-aluna (de um curso de pós-graduação em formação editorial que dei na PUC, em 2009) dizendo o seguinte: "Estou realizando um sonho... Marina Colasanti está em Curitiba para o III Encontro da Rede de Bibliotecas de Curitba, e quem a está atendendo sou eu! Imagina se não tenho o livro Contos de amor rasgados que tem (o conto) "Embora sem náusea", que eu adorava quando vc contava... Olha só quanta coisa boa vc deixou para mim, em tão pouco tempo de convívio!(...)"
E finalizava o e-mail me convidando para ir assistir a palestra de Marina Colasanti.
Essa aluna não faz ideia do quanto me emocionou. Voltei no tempo.  Eu costumava iniciar as aulas com um microconto ou uma história curta, pois acredito que as narrativas abrem portas... Já falei isso antes e sou uma grande defensora da arte de contar histórias sempre que houver oportunidade. Pois bem, além de conquistar uma nova fã para Marina Colasanti, arrebanhei uma fã da contação de histórias. Essa aluna foi tocada de uma forma única. Disse que deixei algo bom para ela. E agora ela me retorna esse algo de bom centuplicado. Fiquei atônita. 
Fui à palestra da grande artesã das palavras (Marina) que contou seu processo de criação. Meus olhos insistiam em vazar, pois me identifiquei tremendamente com ela. Como foi bom! Eu já adorava a Marina. Agora sinto por ela uma admiração de mulher-escritora-companheira de lutas. Aos 73 anos, ela é uma das mulheres mais doces, meigas e ao mesmo tempo fortes e poderosas que conheço. Seu poder reside na PALAVRA (e como ela sabe usar bem a palavra, meu Deus!). Depois da palestra, fui dar uma abraço nela, tirei fotos como uma tiete bem tiete e contei que costumo contar os contos dela em palestras e aulas e que há alguns contos, em particular, que tocam a alma feminina tão profundamente que até hoje recebo mensagens de pessoas que se sentiram tocadas e transformadas por algum conto dela (e apontei para a minha ex-aluna, outra criatura muito especial).
Depois pedi a ela que autografasse o livro Minha guerra alheia (editora Record). Ao ler a dedicatória que Marina me escreveu, os olhos vazaram novamente. Eis o que está no meu livro: "Para Célia, "minha" voz em tantas ocasiões, com gratidão e carinho."
Continuarei sendo sua voz, Marina, pois suas palavras, quando entram em mim, se tornam minhas, e seus contos, em mim, se misturam ao que sinto, e quando saem, me levam junto. E assim, vou semeando Célias e Marinas por esse mundo afora...
Obrigada, mestra!

Marina Colasanti e a tietagem explícita desta aprendiz de escritora...