sexta-feira, 22 de junho de 2012

Neil Postman, Platão, a tecnologia e a escrita

Li recentemente um livro de Neil Postman - O desaparecimento da infância - que achei genial. O autor lançou mais de 20 livros analisando a relação entre tecnologia, cultura, educação e infância. (É uma pena que ele já tenha partido para o andar de cima). Gostei muito de seu discernimento e  procurei mais textos e informações sobre Postman. Acabei encontrando ensaios e artigos de outros autores sobre ele, também interessantes. Posto aqui uma análise de Fernando Teófilo sobre o livro Technopoly, de Neil Postman, que me remeteu à forma como os estudantes se relacionam com a escrita na era digital - nas redes sociais, no Twitter, via SMS e outros quetais. Tem a ver com as ideologias que são passadas por meio do que vemos e lemos. O que destaquei em negrito é justamente a parte que mais fez eco com o que penso...


"Em Technopoly Postman descreve a forma como a tecnologia se tem relacionado com a cultura, desde a era da ferramenta à tecnopolia, e avança com a terapia que julga ser a mais apropriada para contrariarmos o domínio tecnológico sobre a cultura.
No início do livro recuamos à antiguidade clássica para bebermos um pouco da sapiência dos diálogos de Sócrates, descritos por Platão no Fedro. Apresenta-nos a lenda do rei Tamuz e do seu encontro com o deus das invenções Thoth. Esta história mostra-nos que o dilema provocado hoje pela tecnologia não é de agora. Questionar os benefícios ou os malefícios da tecnologia é já actividade antiga.

'Um dia o rei Tamuz recebeu o deus Thoth, inventor, entre muitas outras coisas, da escrita.
Segundo o deus Thoth cada uma das suas invenções, particularmente a escrita, iriam tornar Tamuz um rei reconhecido e indispensável para o seu povo. No entanto, o rei quis saber da utilidade de cada uma das invenções, por exemplo, da escrita. Para Thoth a escrita era a maior façanha de todas, aquela que iria melhorar tanto a sabedoria como a memória do povo. Tamuz retorquiu que o inventor de uma arte não pode ser o melhor a ajuizar sobre o bem ou mal que esta provocará a quantos a aplicarem.'

Muitas vezes em vez do bem que se anuncia é o mal que chega. Para Tamuz a escrita é disso um exemplo: aqueles que a utilizarem deixarão de exercitar a memória e tornar-se-ão esquecidos, pois confiam que a escrita lhes trará á lembrança as coisas. Esta confiança nos sinais gráficos fá-los perder a confiança nos seus próprios recursos. A escrita serve assim para rememorar e não para desenvolver a memória. É ilusória a sabedoria que se espera. Os alunos terão fama de a possuirem mas isso não corresponde à verdade pois receberão uma quantidade de informação sem a instrução adequada. Considerar-se-ão muito conhecedores mas serão bastante ignorantes. Estão cheios do conceito de sabedoria mas não de verdadeira sabedoria.
Eis como a tecnologia que se anuncia como beneficente afinal prejudica. Este é também um ponto de partida utilizado por Postman para uma crítica da influência da tecnologia sobre as culturas onde são recebidas. (...)


Segundo Postman a tecnologia efectua o seu domínio de duas formas, uma clara e outra menos perceptível porque para ele há tecnologias que são visíveis e outras invisíveis. As visíveis são aquelas que todos consideramos como tecnologia.
Exemplifica com a televisão, o automóvel e o computador.  As invisíveis não são tecnologias com forma física, não têm um mecanismo técnico observável, são todavia técnicas e métodos que de uma forma sistemática e repetida condicionam a forma como pensamos o mundo que nos rodeia. (...)"

(Para ler mais, é só seguir o link abaixo)
Fonte: http://www.bocc.ubi.pt/pag/teofilo-fernando-Postman.pdf

domingo, 10 de junho de 2012

A matemática da amizade

Compartilho com vocês o texto que escrevi para o portal Vida & Consciência, sobre amizade...


A matemática da amizade  

Ter amigos é maravilhoso, mas saber ser amigo também é importante
Por Célia Cris Silva



Há muitos anos, quando ainda era criança, ouvi uma história de origem russa que dizia o seguinte:

"Um coveiro, que estava acompanhando um grupo de pessoas no cemitério da cidade, começou a apontar os túmulos e a falar:
- Aqui jaz Sergei Serkikoff. Nasceu em 1830 e morreu em 1890. Viveu 25 anos.
- Ali jaz Svetlana Korolenko. Nasceu em 1920 e morreu em 1990. Viveu 50 anos.
- Ali jaz Anatole Lermontov. Nasceu em 1946 e morreu em 2008. Viveu 38 anos...

Antes que ele continuasse, um dos visitantes o interrompeu:
- Mas essas contas que você fez estão erradas. Essas pessoas viveram muito mais do que você está dizendo.

O coveiro, então, respondeu:
- É que o ser humano só vive realmente durante o tempo em que tem amigos."

Nunca mais consegui esquecer essa "matemática da amizade". Na época em que ouvi a história, achei-a poética e delicada, mas ainda não tinha repertório suficiente para compreender a sua profundidade.

Hoje entendo que a presença de amigos na vida de alguém pode ser um dos fatores determinantes entre morrer - efetiva ou simbolicamente, por meio do isolamento, da solidão, da apartação - e viver.

Ter amigos é maravilhoso, mas saber ser amigo também é importante. Amizade é parceria, uma "rua de mão dupla". A gente adora ser ouvido, mas será que sabe ouvir? A gente adora ser cuidado, mas será que sabe cuidar? A gente adora que se importem com a gente, mas será que se importa com os outros?

Num período em que a amizade parece estar sendo medida por quantidade, em que se deseja ter "um milhão de amigos" em determinadas redes sociais, será que somos amigos daquela pessoa que está a cinquenta metros da gente, esperando atenção, um gesto, uma palavra?

Em todas as culturas, tempos e línguas há frases sobre amizade, exaltando sua importância, falando de sua necessidade na vida das pessoas. Dizem que amigos são parentes que a gente escolhe, que se conhece o amigo na necessidade, que amigos são anjos, que amigos são partes de nós que um dia se desprenderam e que reencontramos, que amizades verdadeiras nunca acabam, que a amizade é como uma planta que necessita ser cultivada... O filósofo Cícero chegou a dizer que "um amigo é como se fosse um segundo eu".

Eu me pergunto constantemente: "Como é que estou cuidando dos meus amigos?", "Que tipo de amiga tenho sido?" [Presente? Ausente? Sufocante? Alguém-com-quem-se-pode-contar? Carinhosa? Chata-mas-querida? Crítica? Mãezona? Especial? Possessiva? Boa-ouvinte? Egoísta-do-tipo-entendo-a-sua-dor-mas-a-minha-é-bem-maior?...]

É bom "discutir a relação" também com os amigos, para evitar que possíveis mágoas se instalem e criem raízes. Muitas vezes a gente nem percebe, mas uma palavra mal colocada, ou a falta de uma palavra, a falta de demonstrar que a gente se importa, a falta de ouvir o outro são fatores que podem afastar as pessoas. Não que a amizade fosse superficial, mas era, provavelmente, unilateral (uma rua de mão única).

Hoje, quando lembro daquela história russa, fico imaginando o que aquele coveiro poderia dizer se visse minha lápide, após minha partida. De uma coisa eu sei: cada momento com meus amigos, desde que me conheço por gente, tem sido precioso e intenso, com risos multiplicados, tristezas subtraídas, alegrias divididas e realizações somadas. Espero conseguir manter essa matemática por muito tempo, ainda...

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