quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Miscelânea sobre leitura

Tanto tempo longe do blog... Tantas coisas acontecendo... Tantos pensamentos...
O tempo não pára para que nos adaptemos. Não pára para que o acompanhemos. Simplesmente não pára. [Sei que não se deve acentuar mais o verbo parar na terceira pessoa do singular, mas me nego a tirar o acento. É difícil aceitar essa nova ortografia ridícula pautada em interesses comerciais, que se colocam acima da filologia, da etimologia e, acima de tudo, do bom senso - sem hífen.]
Voltando...
Fui à Bienal Internacional do Livro, em agosto. Durante anos frequentei (sem trema) essa feira como editora. Ia pesquisar, avaliar a concorrência, pegar catálogos, morria de inveja dos livros maravilhosos que os outros publicavam e pensava: "Por que não fui eu que editei?"
Pois este ano fui como escritora. Pesquisei, avaliei, peguei catálogos... ponderando em que editoras eu poderia publicar meus livros. Vi obras incríveis, lindas, bem cuidadas, e outras tragicamente malfeitas, toscas, coisa de amadores. Fui entrevistada. Declarei que o Brasil ainda não é um país de leitores, mas pode se tornar, se houver políticas públicas e políticos que levem a formação de leitores e professores a sério. Minha entrevista foi colocada no Youtube junto com a propaganda eleitoral de um político que possui uma editora. No lugar de brigar com o gajo, exigirei que ele faça algo para formar leitores e não apenas eleitores, caso seja eleito. Ele não faz ideia (sem acento) do quanto posso ser chata!
Acima de tudo, observei o público. O que as pessoas leem? O que buscam? O que esperam encontrar nos livros? E o mais importante: Como leem? Atribuem realmente sentido ao que veem? [Ler é atribuir sentido ao que se vê, seja um texto, uma imagem, um gesto...]
Estou muito cansada da mediocridade que impera neste mundo (não apenas no Brasil) e que impede o desenvolvimento do pensamento, da criatividade, da inteligência.
Mas tenho esperança.
Cada vez que vejo uma criança prestando atenção a uma história, pegando um livro, uma HQ, me animo.
Ali está uma semente a germinar.
Daniel Pennac, em seu livro "Como um romance" fala de como os adultos conseguem matar o leitor que há em cada criança.
Conversando com minha prima, Mônica, leitora voraz desde a infância, discutimos sobre o porquê de as pessoas não conseguirem mais ler criticamente, atribuindo sentido, interpretando, tornando-se simplesmente  analfabetas funcionais. O que está acontecendo?
É tão fácil cultivar um leitor: encante-o, divirta-o, incentive-o, faça-o se apaixonar pelo mundo das narrativas, ajudando-o a projetar naquele mundo tudo o que ele vive neste aqui, com a vantagem de que naquele mundo ele pode mandar e alterar as coisas. Essa é a magia das narrativas. Simples, não?
Então, por que não há mais leitores?
Encerro este post com um texto do mestre Eduardo Galeano, que fala por mim o que a leitura é capaz de fazer com um ser humano. Boa viagem...

A leitora
    
     “Quando Lúcia Pelaez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, debaixo do travesseiro. Lúcia havia roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.
     Muito caminhou Lúcia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas, caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas.
     Muito caminhou Lúcia, e ao longo do seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância.
     Lúcia não tornou a ler aquele livro. Ela não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro. Agora é dela.”

GALEANO, Eduardo. Mulheres. Porto Alegre: L&PM. 2004.

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