segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Adeus, Bartô!

Hoje foi um dia de perda. A literatura brasileira perdeu um ícone. Eu perdi um mestre, um ídolo. Há toda uma geração de novos escritores que elegeu Bartolomeu Campos de Queirós como um de seus grandes modelos. São os "filhos de Bartô". Eu me incluo, autônoma e espontaneamente, nessa turma.
Quando li a notícia sobre o falecimento dele, fiquei muito chocada, triste. Depois lembrei das coisas que queria ter feito enquanto ele estava por aqui, mas não fiz:
  • Não publiquei nenhum livro dele (bem que tentei).
  • Não tenho nenhum livro autografado por ele (apesar de ter vários livros dele).
  • Não assisti a todas as palestras que poderia. (Achei que teria tempo. Não tive. Ou melhor, tempo eu tive, mas faltou coragem para agir, ir, pedir, falar...)
Mesmo estando geograficamente longe, sentia-o tão perto! Minhas professoras da pós-graduação, que tiveram o prazer de conviver com ele, falavam dele, recitavam sua obra, e a cada vez que isso acontecia, ele ficava mais pertinho, quase um amigo que está na sala ao lado.
Em junho de 2011 assisti a uma palestra dele, em Curitiba, e postei minhas impressões aqui no blog. Ele estava mais magro e abatido, mas sua palavra estava mais forte que nunca.
Tirei foto com ele, no melhor estilo tiete (abençoada câmera de celular!).
Não conseguimos conversar muito, pois havia outras fãs querendo fotos e autógrafos. "Na próxima vez tenho de me lembrar de trazer os livros para ele autografar". (Agora não dá mais...)
Bartô escreveu livros que me fizeram olhar diferente para mim mesma e para o mundo. O que ele escrevia e dizia faziam (e vão continuar fazendo) todo o sentido para mim. Suas palavras impactavam, animavam, aninhavam, faziam pensar, provocavam, cutucavam, ensinavam...
Ele dizia que, quando sentia dor, escrevia. (E quanta dor esse homem deve ter sentido...)
Copio aqui um trechinho da fala dele nessa palestra, só pra dar um gostinho de quero mais:

"Pela metáfora, eu me escondo, mas ao mesmo tempo ponho asas no leitor. Vai aonde você quiser. Você está livre para romper com tudo. Acho que o leitor é tão criador quanto o escritor. O leitor cria muito. É o que o Umberto Eco fala — a estrutura ausente na obra. Você gosta de uma obra não pelo que está escrito, mas pelo lugar que ela o levou a pensar. Isso é muito interessante. Michel Foucault fala que o que lemos não é a frase que está escrita. Lemos o silêncio que existe entre as palavras. É ali que a literatura se faz. Vou falar bem francamente. Hoje, chego à conclusão de que escrevo porque quero dizer umas coisas e acho a palavra oral muito perigosa. Escrever é mais fácil do que falar. Quando escrevo e não gosto do texto, eu o rasgo. Jogo fora, apago, deleto, sumo com aquilo. Mas quando falo uma coisa errada, não recolho a palavra nunca mais. Isso me incomoda muito. Sou extremamente silencioso em minha natureza. Tenho muito medo da palavra oral. Sinto muitas vezes que as palavras me ferem ou eu firo alguém com essa palavra. Não recolho nunca mais essa palavra que cai no ouvido do outro. Talvez escreva por medo da fala." (...)

Guimarães Rosa disse que "pessoas boas não morrem, ficam encantadas".
[E se uma pessoa já fosse encantada, em vida?]
Não sei a resposta. Talvez eu descubra, um dia...
Talvez morra sem saber.
De uma coisa eu sei, Bartô: você vai fazer uma falta danada!

A transcrição integral da palestra está disponível no link:
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/bartolomeu-campos-de-queiros/

O link para o post de junho de 2011 é: http://celiacrissilva.blogspot.com/2011/06/o-avo-do-barto.html

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Microconto pós-bariátrico

"O consumo de carboidratos fazia sua produção de insulina disparar, bloqueavam os receptores e causavam acúmulo de glicose no sangue. Carnes e verduras lhe provocavam entalo. Tinha tolerância reduzida a lactose. Começou a se alimentar de luz e se mudou para o Nordeste... Hoje vive de água de coco, mandioca, sorvete de cupuaçu e açaí."

Copyright 2012: Célia Cris Silva

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Deus e Spinoza

Spinoza foi um filósofo holandês que viveu no século 17. Tinha uma visão bastante crítica sobre religião. Sofreu uma tentativa de assassinato, foi considerado herege e excomungado por conta disso. Roseana Murray postou este texto no Facebook. Ele reflete maravilhosamente bem o que penso. Quatro séculos nos separam de Spinoza, mas o texto parece ter sido escrito esta semana, de tão atual. Vivemos numa era em que o fanatismo religioso (em diferentes lugares e culturas) ameaça  o livre-pensar, nega a diversidade e passa por cima dos direitos humanos, num triste retorno à idade das trevas. Há quem se aproveite do nome de Deus para ter poder sobre os outros, manipular as pessoas e tirar proveito delas. Concordo em gênero, número e grau com Spinoza e agradeço a Roseana pelo texto (o que está em itálico é dela):

"Deus falando com você, segundo Spinoza:

'Para de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é
que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.

Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que
Eu fiz para ti.


Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo
construiste e que acreditas ser a minha casa.

Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas
praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Para de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo
mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade
fosse algo mau.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu
amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo
o que te fizeram crer.

Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver
comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem,
no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me
encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?

Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me
irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te
enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos,
de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te
culpar se respondes a algo que eu pus em ti?

Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês
que eu poderia criar um lugar para queimar todos os meus filhos

que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?

Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são
artimanhas para te manipular, para te controlar,
que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única
coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida,
que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem
um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.

Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há
pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar.
Ninguém leva um registro.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um
conselho. Vive como se não o houvesse.
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de
existir. Assim, se não há nada,
terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste
comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste,
se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Para de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero
que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas
tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas
relações, do mundo.Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria!

Esse é o jeito de me louvar.

Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te
ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui,
que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que
precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que
estou, batendo em ti'.

Einstein, quando perguntado se acreditava em Deus, respondeu:

'Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens'
”.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

microconto para uma noite nublada

Olhou para o céu na esperança de admirar a lua e as estrelas, mas só viu nuvens.
Consolou-se olhando o reflexo das luzes da rua na poças de água.
Copyright © 2012 Célia Cris Silva