segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um conto sobre economia...

Compartilho com vocês o conto "Economia de guerra", que faz parte da coletânea Tempo de esperar, que pretendo publicar em breve.
Se quiserem compartilhar com alguém, por favor, lembrem-se de citar a autoria (o copyright).
Boa leitura!
Célia Cris

ECONOMIA DE GUERRA

Copyright 2009 © Célia Cris Silva

Estavam casados há dez anos e há oito haviam decidido ter uma conta conjunta, depois que ela se endividou demais e teve o nome incluído na lista de devedores do SPC e do Serasa.
Ele, economista previdente, passou a gerenciar os salários dos dois, as contas, os gastos em geral. O orçamento era discutido com antecedência, os boletos de pagamento eram separados por data e colocados numa pasta vermelha. Os boletos de débito automático eram colocados numa pasta azul.

No início ela até que gostou. Foi conseguindo pagar as dívidas e reconquistou o cartão de crédito.
Com o tempo, porém, começou a achar que o marido exagerava. Se ela quisesse comprar um presente de aniversário, tinha de avisar com pelo menos quatro meses de antecedência, para que o gasto fosse analisado, aprovado e incluído num dos orçamentos do trimestre em questão, para evitar sobrecarga orçamentária, desequilíbrio, perda de rendimentos, etc., etc.

Nem sempre conseguia avisar com tanta antecedência. Levava broncas, ouvia sermão do marido que, zelando pelo orçamento, feria a paz doméstica.
Ela passou a fazer artesanato – a fim de confeccionar presentes para parentes e amigos em datas emergenciais. Como não vendia nada e só tinha gastos com a compra de material, acabava sendo alvo das críticas do marido, que achava desnecessário gastar com presentes para quem quer que fosse.

Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das crianças, Páscoa, Aniversário de casamento eram datas comerciais – justificava ele, que se opunha cada vez mais a qualquer tipo de celebração que envolvesse presentes e gastos.
Aos poucos, tornou-se tirano com o dinheiro, fazendo planos para o futuro, aplicando praticamente todo o dinheiro da família e justificando que era necessário cortar o que quer que fosse supérfluo.

Mas o conceito do que seria supérfluo, para ela, era bem diferente do conceito de supérfluo para ele. Claro que ela concordava em evitar gastos desnecessários. Reaproveitar, reciclar e reutilizar eram os 3 Rs de seu dia-a-dia, mas achava um exagero obrigar a família a economizar em itens que ela considerava básicos (e ele não).
Depois de atravessar uma crise financeira grave, a economia do país começou a se recuperar. Era momento de reaquecer a economia, investir e aproveitar as oportunidades. Com o que haviam poupado, os dois poderiam fazer, com folga, a viagem planejada desde que haviam se casado. Teriam, finalmente, a sonhada lua-de-mel.

Quando trouxe para o marido os prospectos da agência de viagens com a programação e os custos, ele quase enfartou. Disse que ela estava louca. O dinheiro seria guardado para uma era de incertezas: o futuro. Não haveria viagem alguma. Lua-de-mel era uma besteira, já que estavam casados há tanto tempo.
Diante da cara de tristeza e frustração da esposa, ele planejou, para dali a três meses, uma viagem até a casa de parentes no litoral, para relaxar e tomar sol. [O problema é que, dentro de três meses, o verão já teria acabado.]

Na semana seguinte, ela se deparou com uma promoção de calcinhas. Eram da marca que ela usava, de um modelo especial, que não apertavam nem machucavam e, por isso, eram bem mais caras que as demais. Como as suas estavam bastante gastas e com o látex estourado, decidiu que iria aproveitar a oportunidade. Comprou logo meia dúzia e pagou com um cheque à vista, negociando, assim, um desconto extra. Saiu orgulhosa da loja, certa de ter feito uma excelente compra.
Dois dias depois, o marido chegou em casa transtornado, segurando o extrato bancário na mão e exigindo ver o canhoto do talão de cheques.

Como o gasto com as calcinhas não havia sido previsto, (nem comunicado, devido a um esquecimento “freudiano” da esposa) o débito do cheque havia deixado a conta do casal no vermelho.
De nada adiantou ela explicar que a promoção era imperdível, que as calcinhas saíram por 1/3 do preço normal... o marido estava cego de raiva. Gritava, dizia-se traído. Acusou-a de fazer coisas erradas, impensadas... Chamou-a de tola, gastadeira, irresponsável e... fútil.

Fútil???
Depois de anos sendo agredida verbalmente, humilhada, freada, ela se levantou e, branca como uma folha de papel, exigiu a separação das contas no dia seguinte. Ela passaria a administrar o próprio salário dali em diante.

Para ele, foi como se ela tivesse pedido o divórcio.
De fato, três meses depois o casal tinha contas separadas e morava em casas separadas.

Ele dizia, irônico, aos amigos, que ela voltaria correndo, em menos de três meses, falida e endividada, pedindo perdão.
Passaram-se três, seis, nove, doze meses... Ela não faliu.

Questionada por amigas, revelou o segredo para equilibrar as contas.
Aprendera com o ex a ser previdente e a reservar dinheiro para o futuro, mas não deixava de separar uma certa quantia para as emergências mensais ou, simplesmente, permitir-se certos mimos de vez em quando.

Criou um fundo para isso – que chamava carinhosamente de “meu dinheiro das calcinhas”.

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