Desde pequena eu já sabia, instintivamente, que não era como todo mundo. Não via nem sentia as coisas como as demais pessoas. Não tinha ídolos. Não entendia o porquê de precisar competir para ganhar o que quer que fosse, não entendia a razão de ter de celebrar alguns eventos mesmo não vendo sentido neles. [O mundo, muitas vezes, não fazia sentido para mim.] Meu refúgio eram as narrativas orais e escritas com as quais eu tinha contato. Nos livros, personagens distintas viviam em mundos diferentes, e muitas vezes sentiam coisas semelhantes às que eu sentia: medo, angústia, tristeza, alegria, solidão, raiva, ternura, esperança...
Quantas vezes me projetei em protagonistas, tornando delas os meus sentimentos e vice-versa, vivendo com elas emoções e aventuras que me levavam para dentro de mim mesma, para esse universo incrível e assustador que é o EU mais profundo.
Cresci tentando entender qual o sentido da vida e da diversidade no mundo e o sentido da minha vida nesse mundo. Acredito que me tornei uma adulta estável e equilibrada. Tive sorte de nascer com uma boa dose de bom senso, que foi desenvolvido e incentivado pela educação que recebi. Tive bons modelos. Bons mestres. Aprendi a distinguir o certo do errado, o justo do injusto...
Não fiz parte de grupos, turmas ou tribos. Não encontrava pares para as minhas reflexões ou pirações. Aprendi a conviver bem com as pessoas, fiz amigos (poucos e seletos), e por mais que estivesse cercada de gente, sentia-me só. Era o que se chama de um "peixe fora da água".
A vida me possibilitou contato com gentes de mundos e tempos bastante distintos do meu. Isso foi me mostrando que há muitos peixes fora da água também. Cada um, a seu modo, tenta se integrar, se equilibrar, conviver. Alguns não conseguem e se isolam. Outros enlouquecem, literalmente. Há os que adoecem, os que entram em depressão, os que se viciam em algo...
Outro dia, na praça de alimentação de um shopping, fiquei observando pessoas. Tipos variados, gente de diferentes idades, procedências, etnias, credos... indo e vindo, comendo, conversando, buscando algo. "Todos querem a felicidade", pensei. Para uns, a felicidade pode estar num carro, numa roupa de grife, num celular novo, num ipad, num sapato, num brinquedo. Para outros, a felicidade pode estar em um reencontro, no perdão esperado há tempos, em uma reunião de família, em um amor que prometa ser infinito, em filhos.
Conheci pessoas que se sentiam felizes em ter com quem conversar. Outras que viam a felicidade como algo inatingível. "A vida é feita de momentos felizes", disseram alguns. "É impossível ser feliz num mundo tão cheio de injustiças, problemas, preconceitos"...
Tive o privilégio de conhecer gente que passou por muitas perdas, por traumas profundos, que teve de abandonar casa, família, país de origem. Gente que viu amigos e parentes morrerem, que foi vítima de abuso, que sofreu os horrores de uma guerra. Para essas pessoas, em sua grande maioria, a felicidade está em coisas muito simples. Ouvi delas que felicidade é poder estar com quem se ama, é ter saúde, um prato de comida, um teto, um cobertor. Para outros, ainda, felicidade é liberdade.
Entendi que felicidade, para mim, é poder encontrar e conhecer essa diversidade humana e assim ampliar meus horizontes, enxergar além e através de...
Descobri que, juntando os peixes fora da água que conheci ao longo desses anos, acabei encontrando o meu cardume. Isso também me deixou muito feliz.
Super Célia!!!
ResponderExcluirObrigada, peixinha Denair!!! :o)
ResponderExcluirQue texto lindo, Célia. Gostei muito. bj
ResponderExcluirObrigada, Rô. Um beijo.
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