terça-feira, 9 de março de 2010

Vida de escritor...

Tenho um amigo escritor que me contou, rindo, um dia: "A empregada lá de casa perguntou à minha esposa se eu não trabalhava. Ela me via em casa o dia inteiro, na frente do computador, e devia pensar que eu não fazia nada!".
Achei engraçado... até que a mesma coisa aconteceu comigo... duas vezes! Fui fazer compras em uma loja e a vendedora me perguntou: Qual sua profissão? Respondi que era escritora. Ela emendou:" Tá. E você trabalha em quê?"

Outra feita, fui apresentada à conhecida de uma amiga. Estávamos falando de flexibilidade de horário de trabalho e eu comentei que sou feliz, pois não preciso cumprir horário. Ante a cara de interrogação da senhora, minha amiga explicou: "A Célia é uma escritora." A mulher arregalou os olhos e disse: "Ah! Então você não trabalha!".

Opa! Então escrever não é considerado profissão? É um hobby? (não, não é robe de vestir, é um tipo de passatempo).

Conheci, ao longo desses vinte e tantos anos como editora, algumas centenas de pessoas que me diziam: "Estou escrevendo um livro. Por favor, leia e me diga o que você acha." Fui sincera com quase todas. Tenho inimigos mortais até hoje por conta disso, incluindo no pacote uma ameaça de morte.

O mais engraçado é que a carreira de escritor, para a grande maioria, era algo em segundo plano (em alguns casos, ainda bem!). Mas encontrei talentos incríveis, desperdiçados em escritórios de salas apertadas, ou sufocados debaixo de pilhas de papel, burocracia e sobrecarga de trabalho em escolas. Algumas editoras, percebendo o valor de bons autores, bancaram sua independência-alforria para escrever e pagaram antecipações que lhes permitiram ganho de tempo, qualidade de vida e de escrita. Ganham os leitores, ganham os editores, ganha a educação, ganha a cultura. Mas ainda é pouco. Há muito preconceito. Por que é aceitável que um ilustrador desenhe e pinte em período integral mas se estranha alguém que escreve o dia inteiro?

Algumas pessoas ainda têm em mente o estereótipo do escritor boêmio, passional, fumando um cigarro atrás do outro (como aqueles escritores dos filmes noir). Mais especificamente, acham que escritores são excêntricos, talvez bipolares, alternativos, desses que andam com os livros debaixo do braço vendendo pelas esquinas, como fazia o Plínio Marcos (comprei vários exemplares dele assim, e ainda aproveitei pra colocar o papo em dia. Ele era inteligente e uma pessoa incrível de se conversar).

Escritores são gênios? Não sei dizer. Para mim, são pessoas com uma habilidade, uma competência e um talento para expressar, com a palavra escrita, o que o desenhista faz com imagens, o músico faz com notas musicais, o bailarino faz com o corpo...

Se eu tivesse nascido com talento para outra coisa, como saber ganhar dinheiro fazendo aplicações na bolsa, eu sonharia em ser escritora. Mas, como escritora, não quero ser outra coisa.

Concordo que não é uma profissão reconhecida. "Escritor, no Brasil, morre de fome!" - é a frase mais popular. OK. Nem todos conseguem vender como um Paulo Coelho, um Jorge Amado, um Veríssimo... Os que ainda estão no início da carreira precisam ter uma profissão que pague as contas. Muitos passam a vida toda tentando vencer (e vender). Há até uma piada que o Jô Soares contou, anos atrás, sobre o difícil ofício de escrever:

Um escritor andava pela rua e encontrou um amigo que não via há muito tempo. O amigo deu um abraço nele e disse: "Cara, comprei o teu livro!". O escritor, com lágrimas nos olhos, respondeu: "Ah! Foste tu!"

Na foto, olho para o Jabuti, prêmio que ganhei em 2009, por conta de um livro paradidático, e lembro tudo o que passei para chegar até aqui. É inevitável pensar: "Como será o amanhã? Responda quem souber (Quem sabe é Deus). O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser..."

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