domingo, 26 de junho de 2011

Sobre meninas e mães

"Quando eu era pequena, ficava agachada no banheiro vendo minha mãe se maquiar. Lembro-me da cor do batom, um vermelho encarnado. Como num ritual, ela fazia um risco de batom em cada bochecha e o espalhava com as pontas dos dedos. Depois passava o batom na boca. Primeiro na parte de baixo, depois na de cima. Olhava para mim e piscava.
Aquela piscada era como uma mensagem, que para mim adquiria diferentes significados - dependedo do dia, das emoções, de diferentes fatores, enfim.
Quando eu sabia que ela ia sair, corria para o banheiro para ver o "ritual da maquiagem".
Esse ritual que eu tinha com ela era na verdade um momento mágico. Eu era espectadora e cúmplice. A mãe ganhava contornos de deusa, de diva. E tão linda!
[Meu Deus, mãe, como você era, é e sempre será linda!]
Eu admirava aquela mulher na frente do espelho, com gestos tão precisos, me introduzindo sutil e lentamente nas artes de ser mulher... Meu maior desejo, naquele momento, era ser como ela.
Às vezes lamento não ter tido uma filha para compartilhar com ela esse ritual (se bem que, pensando bem, na era dos glosses, blushes, primers em que vivemos, talvez ela achasse um risco de batom vermelho nas bochechas algo tremendamente jurássico!).
A maquiagem, em si, não era o mais importante. O ponto alto desse ritual era estar com a mãe, aprender com ela, compartilhar um momento só nosso.
As meninas não se dão conta - enquanto ainda são meninas - do quanto aprendem a "ser" observando as mães. Algumas se espelham e se modelam nelas, construindo em si as mulheres que serão no futuro. Outras se afastam do modelo (Freud explica os porquês).
Esta é a Regina/Misamô/Yeya aos 15 anos.
O fato é que, toda vez que me olho num espelho e vou passar um batom vermelho, a imagem de minha mãe me vem imediatamente. Sorrio por dentro.
Dizem que estou cada vez mais parecida com ela...
Parece que meu desejo foi atendido!"
copyright © 2011 Célia Cris Silva

Este texto é uma homenagem aos 82 anos de Dona Regina (ou Misamô, como eu a chamo) ou Yeya (como os irmãos a chamam), minha mãe.

Ah, mãe, que saudade de quando eu era menina e você era "a minha ídola".  A vida era tão menos complicada, tão menos sofrida.  Sem tantas demandas e preocupações...
Cresci, fui para longe, fiquei independente, mas ainda trago comigo aquela menina que te olhava com olhos de encantamento e admiração.
[Ai, que saudade de ser criança e me aninhar em você!]

17 comentários:

  1. Bety, querida amiga, esse saiu do fundinho do coração... Tá tão dolorido ver a mamãe ir embora um pouquinho a cada dia...

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  2. Que texto lindo! me emocionei muito.
    Que saudades da minha mãe.

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  3. Lindo homenagem à sua mãe, à uma mãe...

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  4. Obrigada, pessoal. É também uma homenagem a toda mãe e a toda menina que habita cada mulher...

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  5. Bela homenagem. Me tocou. Parabéns! Se vc está fiando parecida om sua mãe, então já gostei dela =]

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  6. Ah...Célia... agora com esta foto... Arrebentou.... sem palavras... Seu melhor legado? O parecido que você cita, que com certeza, nao é só e apenas físico.

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  7. Maninha querida....uuuuaaaauuuu.... acabei de chegar da casa dela.. da mamãe, me olhou com aqueles expressivos dela, não piscou, disse apenas um..."nunca te esqueças que eu te amo Paulão"... e agora leio teu relato, testemunho, declaração.... ai meu coraçãozinho aguente tanta emoção junta, aguente... lindo mana muito lindo.
    Carinhoso beijo no teu coração querida.

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  8. Minha sobrinha um dia me contou que aprendeu a maquiar lábios e olhos comigo...Confesso ter aprendido o "truque do batom" com a querida Tia Rê...E todas as manhãs depois do ritual do hidratante com filtro,passo ao ritual da sua Misamô; e em cada gesto vai uma vibração de gratidão,amizade,carinho e muita emoção...Ela foi a única pessoa neste mundo a escrever e sempre dizer que me amava do "jeitinho que eu sempre fui"...Um quentinho na minha alma,eternamente...Linda sua homenagem Bá;admiro muito esta sua capacidade de expressar em símbolos o que anda em sua alma. Bj Nilminha

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  9. Ritual de cumplicidade! Que coisa linda, Célia! Vou me lembrar mais de dividir esses momentos tão gostosos com a Agnes (que por sinal, assim como vc qd pequena, fica do meu ladinho, provando no rostinho o misto de cores que se formam qd passa o dedinho no estojo de sombras). Confesso que vira uma obra de arte contemporânea! rsrs Obrigada por dividir conosco! Uma semana cheia de luz! ^^

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  10. Obrigada, Nilma. Obrigada, Thaís (curta muito a "fada" Agnes, essa fase passa voando). Esse ritual é mesmo um encanto. Para quem tem filha menina pequena, é incrível ver como isso parece estar no código genético!!! As filhas modelam as mães (na maior parte do tempo). Depois crescem e ganham o mundo... Mas carregam as mães consigo (mesmo que não se deem conta disso). Beijoooooooooos

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  11. Não consegui conter as lágrimas. Me vi no banheiro com a Sofia me olhando e dizendo que eu estou chique! Senti saudades desse tempo que um dia vai passar.

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  12. É, Rô... o tempo voa e a saudade vem. Mas a Sofia sempre vai ser a sua menina. E ela está a tua cara!!! Beijão.

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  13. Minha querida Célia, nossos parabéns a sua mãe. O texto é belíssimo, digno, comovente. Um feliz dia das mães a todas as mães.

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