Cada vez mais percebo o quanto somos pressionados a ser completos, autossuficientes, perfeitos, independentes, onipotentes e... econômicos... Mas a que preço!!!
Vivendo sozinha há muito tempo, acabei tendo de aprender a fazer pequenos consertos e ajustes que antes deixava de bom grado para um espécime do gênero masculino.
Também acabei aprendendo a fazer tarefas atribuídas, mais especificamente, ao gênero feminino, tais como depilaçao, pedicure e manicure...
Posso dizer com toda a certeza que CANSEI!!!
Reconheço que é ótimo ver algo feito por você mesma e se exibir para os amigos e amigas, mas nem sempre o trabalho e o empenho valem a pena. Alguns resultados ficariam muito melhores nas mãos de profissionais qualificados e experientes.
Comecei trocando o sifão da pia. "Moleza", pensei. Apertei a braçadeira o máximo que pude e fiquei sorrindo, admirando o resultado. Duas horas depois estava com a cozinha completamente alagada. A braçadeira escorregou, o sifão saiu do lugar e eu só percebi quando a água já estava fazendo uma pequena cachoeira no paneleiro. Para completar a cena, a porta do armário de copos caiu na minha cabeça, pois os parafusos que a seguravam se soltaram. Quando fui abrir o armário para pegar uma jarra, ganhei de presente um galo na cabeça.
Depois cismei de pintar as paredes do meu apartamento e o teto do banheiro. Nem vou repetir aqui o que já descrevi num post anterior. Ainda tenho dores nas costas por conta do mau jeito na escápula (antiga omoplata). Mas o efeito da tatuagem na parede ficou fenomenal. Ponto pra mim!
As últimas investidas foram um pouco menos dolorosas, do ponto de vista físico, mas devastadoras no aspecto moral.
Quis modificar minha sobrancelha, que nas priscas eras era comparada à da Malu Mader ou à do Mazzaropi, quando eu deixava crescer.
Peguei minha pinça alemã (um fenômeno, segundo a atendente da loja de cosméticos que me vendeu) e me atirei ao trabalho. Usei um super espelho de aumento para enxergar os pelos de perto. Parecia mesmo uma selva.
Quando terminei, achei que algo estava estranho, mas não me toquei do que poderia ser. Já era madrugada e eu estava cansada demais. Fui dormir e até esqueci das sobrancelhas.
No dia seguinte, ao entrar no banheiro descabelada e com a cara mais amassada do mundo, tomei um susto danado ao ver a versão feminina do Jack Nicolson em "O Iluminado" no espelho. No lugar do machado, uma pinça assassina. As crianças do prédio me evitaram durante dias. [Será que foi por isso?]
Fui desencravar a unha do dedão, durante o jogo do Brasil. Na hora do primeiro gol contra nem sei quem levei um susto tão grande que arranquei um bife enorme. Inflamação... dor...
Não satisfeita, resolvi fazer a "Brazilian Wax" (Depilação brasileira - total) sem a wax (cera). Usei um depilador que arranca os pelos. (Por favor, tirem as crianças da frente do computador. O assunto vai ficar constrangedor, mas nada cabeludo). Por pouco não arranquei os pequenos e grandes lábios também. Descobri que naturistas e hippies não se depilam. Aderi à causa.
Uma das últimas investidas foi refazer a decoração do quarto. Sempre alimentei o sonho de ter uma cama com dossel. Mas não um dossel qualquer e sim um que lembrasse a cama da Elizabeth Taylor/Cleópatra no filme homônimo. Creio que era uma cortina de tule, de seda, de algo translúcido... Enfim, encontrei na internet um mosquiteiro modelo dossel de teto que se encaixava no meu bolso e nos meus sonhos. Encomendei o dito-cujo e aguardei a entrega. A empresa envia uma guia de papelão para colar no teto e marcar os locais dos furos, um guia de como instalar, buchas, parafusos e até a broca para a furadeira!!!
Peguei a furadeira emprestada do porteiro e pedi uma escada para a vizinha de cima. Avisei a ela que faria barulho para colocar quatro parafusos no teto. Caso ela ouvisse algum barulho estranho, além da broca da furadeira varando o teto que, por favor, corresse para me acudir. Provavelmente eu estaria em apuros.
Pra começar, a guia de papel se embolou e na hora de prender eu a rasguei. Além disso, ela era para uma cama
king size. Minha cama, além de ser japonesa, no chão, é tamanho padrão. Nessas horas eu me arrependo de ter dormido nas aulas de matemática, geometria e física. Fiz cálculos complicados tentando achar a distância do ponto equidistante ou o meridiano da cama em relação à parede... [Aaaai, que sono!]
Bem... resumindo, acabei marcando os locais dos furos utilizando o método científico mais antigo que existe: o "DSPA" (Deve Ser Por Aqui).
Furadeira em punho, broca encaixada, comecei o primeiro furo. Uma manteiga! Sorri satisfeita e pensei no quanto as mulheres se fragilizam perante os homens, deixando que eles façam coisas simples que elas mesmas poderiam fazer... (Como fui tola!)
Na hora de fazer o segundo furo, a broca só entrou até a metade. Havia uma viga de concreto entre a broca e o final do furo que eu queria fazer.
Pensei: "É só deste lado. Vou furar do outro lado. Acho que a viga de concreto sacou meus planos e se mudou para o outro lado. A broca nem entrou. Fiquei tentando furar e não consegui. Interfonei para o porteiro. "Oi, sr. D. Tudo bem? Tem certeza de que sua furadeira é das mais potentes? Ela não está furando!". Do outro lado vieram a risada, a resposta e duas perguntas: "Essa furadeira é profissional. A senhora está usando broca de concreto ou de madeira? Está usando o martelete?". (Broca de concreto? Martelete?) Diante de meu mutismo, o sr. D. me pediu que levasse a furadeira e a broca para ele ver. Não podia sair da portaria naquele momento. Fui até lá e ele pacientemente checou a broca (Sim, era de concreto) e me ensinou a usar as duas funções da ferramenta: a furadeira simples e o martelete. "A senhora não quer que eu fure? Depois do serviço eu posso ir lá". "Não é preciso, obrigada. Agora eu já sei o que fazer." "Voltei para o quarto, coloquei a furadeira na tomada, girei a chave para a função martelete, subi na escada como um atleta sobe no pódio e liguei a danada. Quase caí no chão por conta dos marteletes e socos que a broca deu no concreto. O buraco ia alargando, mas não aprofundando, como seria o correto. Os braços doíam. Parei. O interfone tocou. "Alô!". Do outro lado, a vizinha, com voz preocupada, aconselhava: "Celinha, tá tudo bem aí? Você tá com dificuldade, né? Não ouvi o barulho certinho dos quatro furos... Chama o seu D. pra furar pra você." É verdade. Até pra fazer furos existe um jeito certo. Intefonei para o sr. D. e pedi que fosse fazer os furos. Meus braços tremiam por conta da força descomunal que fiz - tentando vencer o concreto empurrando a broca... tolinha!!!
Em 15 minutos ele fez os três furos que eu penei pra tentar fazer em mais de uma hora.
Nem me cobrou nada. Só sorriu. Ah! Esqueci de dizer que resolvi checar se a broca estava bem encaixada e queimei os dedos. Ninguém me avisou que o atrito do metal no concreto produzia tamanho calor. [Ou será que perdi essa aula enquanto dormia?]
Na hora de pendurar o mosquiteiro, um pequeno contratempo: um gigantesco lustre vietnamita bem em cima da cama. E agora? Era preciso fazer um pequeno furo no mosquiteiro para passar a fiação do lustre e assim deixá-lo dentro do dossel. Vou poupar você, leitor(a) de detalhes, mas imagine alguém que acaba de desligar a chave geral do quadro de luz - porque vai mexer com os fios desencapados do lustre e passá-los por um minúsculo buraquinho feito no mosquiteiro, a fim de não estragá-lo muito -, com medo de tomar choque, tentando enxergar alguma coisa num quarto na penumbra, trepada numa escada do tipo "balança mas não cai". (Minha amiga S. diz que eu tenho mais sorte que juízo). Resultado: essa criatura deixou o lustre cair e a lâmpada se espatifou no chão.
Caramba, esse post está ficando parecido com aquele comercial da faca Ginsu. (Pensa que acabou? Nãããão! Não mande dinheiro agora, pois ao comprar este jogo de facas você ainda recebe a maravilhosa picadora de legumes...). Ou seja: calma que tem mais...
Voltando ao quarto: depois de penar, pendurei o mosquiteiro. Varri o chão, juntei os caquinhos da lâmpada, tirei o pó, arrumei as pedrinhas em volta da cama, coloquei os abajures (que eu mesma fiz, com esteirinhas de bambu), as velas... enfim, ajeitei o quarto como pude. Queria um ambiente relaxante, quase um spa.
O dossel-mosquiteiro, nem preciso dizer, ficou torto. Um lado pende mais que o outro e, na cabeceira, ele ficou muito em cima do travesseiro. "Pois vai ficar assim mesmo", bufei.
Passado mais de um mês dessa aventura, concluí que de nada adianta ter uma cama de princesa se você não é uma princesa.
Por três vezes, ao acordar e me espreguiçar, enrosquei o braço, a mão ou o relógio no dossel e ele veio abaixo. Fiquei presa debaixo dele como um peixe na rede. Poderia até bancar a superior e dizer que fiquei presa como uma sereia na rede, mas sou honesta. Mentir é feio. Quando acordo posso parecer muitas coisas, menos uma sereia. Na verdade, senti-me como a Dolly, o pai do Nemo e as sardinhas do desenho animado, na cena do barco de pesca puxando a rede.
Agora, o dossel sai do bocal do lustre. A cada enroscada e queda ele cede um pouco. Começo a achar que qualquer dia desses vou acabar com o raio do dossel enrolado na minha cintura... como um tutu. Aí, com certeza, saberei que dancei!